A Esquizofrenia


Um preâmbulo à cognição na esquizofrenia

            Aquilo que a cognição humana, que nós tanto prezamos, tem de mais fascinante, ou seja, esta habilidade fantástica de perceber relações entre eventos, esta habilidade que nós exaltamos por suas possibilidades de ser extremamente lógica, dedutiva, ou como no caso de um raciocínio do tipo feito por Sherlock Holmes, ou como o encontrado nos livros de Agatha Christie ou ainda, de forma brilhante em “O Nome da Rosa” de Humberto Eco (apresentado sinteticamente em filme), ou ainda repetidamente em Edgar Alan Poe (p.e., “Mistério de Maria Gorett”); é exatamente esta habilidade a que nos fere intrinsecamente, incontrolavelmente, na esquizofrenia, e que pode ser letal por levar a um atentado contra a própria vida para finalmente se cessar de pensar compulsivamente criando e elaborando relações absurdas entre eventos vividos, observados ou já imaginados. Sofrendo intensamente a níveis insuportáveis ao organismo pelo excesso de insônia (se sonha acordado, misturando a realidade com o sonho imaginado, sem qualquer registro de sonho ou realidade), pela falta de apetite e, sobretudo, pela total e completa impossibilidade de parar de sonhar e criar novos pensamentos e realidades. Predominantemente, pensamentos e lembranças dolorosas e que estimulam a baixa autoestima e a suspeita intensa.

O referencial do indivíduo

            Na esquizofrenia os pensamentos que ligam eventos quase à deriva, que ocorrem de forma aleatória e ao sabor dos estímulos mais salientes do ambiente, e também ao sabor das memórias mais antigas de eventos marcados por profunda emoção/comoção, não são sempre de natureza infeliz: algumas relações são deliciosa e divertidamente absurdas, provocando risos repentinos e intensos que são externalizados pelo indivíduo (como tantos de nós o fazemos em condições normais ao lembrar alguma conversa ou piada). O problema que afasta da normalidade é que estas relações entre eventos ocorrem muito rápidas, sem rumo definido, e mudam o seu teor rapidamente sempre sobforte emoção, passando de relações absurdas que provocam reações divertidas às que provocam reações intensas de mágoa, dor, e manifesta emoção de incredibilidade. O impressionante é que a reação do indivíduo é de identificar o absurdo da relação, mas não poder erradicá-la de seu pensamento como de ocorrência IMPOSSÍVEL. A simples possibilidade de que poderia não ser um absurdo coloca esta cognição em condições de patologia em uma situação que a impede, insidiosamente, de relegar à menor prioridade ou condenar ao esquecimento o conjunto total das relações absurdas (criadas e/ou elaboradas). Como se fosse o conteúdo de um sonho que não se pode esquecer.

                        O indivíduo não tem necessariamente alucinações com um teor de natureza física de qualquer espécie, ele VIVE o teor absurdo de seus sonhos criando ou elaborando relações aleatórias e as inter-relacionando à sua memória passada e em formação. Neste processo pode haver a perda do registro do ocorrido real, podendo permanecer o fictício misturado ao real.

            O interessante é ser um participante/observador involuntário destes fenômenos, sobretudo do ponto de vista do observador interno. O que está acontecendo à sua mente e às suas próprias ações passam a ser mal compreendidos e, dentro do âmbito da cultura e nível de formação acadêmica-cultural que reside naquela mente (a que está sofrendo os fenômenos e os está observando sem compreender) o indivíduo passa a buscar desesperadamente uma explicação.

            De um modo geral é quase natural a adoção de uma explicação de cunho religioso, esotérico e místico. Não tiro a razão de religiosidade ou do misticismo. É uma opção de vida. Contemplar as fronteiras do pensamento e da razão humana é, mesmo para o mais ferrenho ateu e discípulo do acaso, uma experiência nova, mística, assustadora e inusitada.

            A mente que processa e repete incessantemente fragmentos de diálogos (podendo ser diálogos em que participou como interlocutor ou diálogos que ouviu de terceiros) ver oscilar memórias antigas sempre aquelas guardadas sob forte emoção, fazer associações absurdas que ora divertem seguidas de risos repentinos e, no instante seguinte, fazer outra associação que causa infinita dor e mágoa e chorar repentinamente, em seguida fazer associações absurdamente inacreditáveis que fazem o indivíduo falar alto: “Não é possível!!!”, mesmo sem qualquer interlocutor. Ao observador, a pessoa se comporta como se falasse sozinha porque ri, chora, diz que “Não é possível!”, etc..

A permanente sensação de que a interação com as pessoas é uma encenação já ensaiada. Parece um teatro. Parece queestão representando para você e que já está tudo ensaiado e combinado previamente. Que você está lá como inocente, como parte não integrante da situação. Como se você estivesse sobrando e sem saber exatamente o que, ao seu ver, já tinha sido combinado entre os “atores” participantes. Parece um teatro feito premeditadamente para observar suas reações e te controlar. Às vezes, a forte sensação de que suas intenções eram conhecidas e seus pensamentos transparentes aos demais. A sensação de que todos já sabem como você vai agir ou reagir.

Muitas vezes, a sensação de ser gozado pelos outros, de que estão falando de você, de que riem de você, sempre num sentido depreciativo. A busca pelo isolamento passa a ser imperativa. É preciso muito autocontrole para aguentar a situação e se convencer de que não é nada disso. E a gente não se convence, se estiver mal.

A sensação de que você está sendo observado o tempo todo, mesmo dentro de casa, mesmo andando de carro. A sensação de que os transeuntes sabem quem você é, de que existe uma rede de comunicação entre as pessoas, conhecidas ou não, e que estão todos observando e controlando o que você faz, onde quer que você esteja. E que eles já sabem o que você vai fazer.

Entretanto, a medicação, apesar de um tanto desagradável inicialmente por reduzir drasticamente a capacidade de concentração, restaura o sistema se adequada e não administrada tardiamente. E, com a manutenção correta do medicamento e alguns ajustes eventuais, se vive uma vida normal, mantendo-se atento aos sintomas de alerta que se aprende a identificar. E evitando, terminantemente o estresse.

Depoimento de mldbs

A esquizofrenia do ponto de vista do observador

A Esquizofrenia é um transtorno crónico, profundamente incapacitante, caracterizado por importantes sintomas psicóticos, bem como déficits na emoção, motivação e cognição.

Os sintomas da Esquizofrenia podem ser divididos em sintomas positivos, negativos e cognitivos. Os sintomas positivos incluem fenômenos mentais que não ocorrem em pessoas sem o transtorno, como alucinações e delírios. Já os sintomas negativos resultam de prejuízo em funções e podem incluir respostas emocionais embotadas, afastamento de interações sociais, conteúdo empobrecido de pensamento e discurso. Um terceiro grupo de sintomas inclui anormalidades cognitivas, algumas vezes descritas como sintomas de desorganização. Esses sintomas prejudicam a memória de trabalho e as funções executivas – a capacidade de organizar a própria vida. Estes sintomas geralmente persistem mesmo durante o tratamento bem-sucedido com medicação e são considerados importantes contribuintes para a incapacidade a longo prazo.

NOSSA PROPOSTA:

Investigar e abrir o espaço para o debate sobre a Esquizofrenia pode revelar novos aspectos teóricos, aprofundar o conhecimento sobre o transtorno e produzir novos instrumentos de avaliação e intervenção e orientar novas pesquisas na área.